Autor: Guilherme Gorgulho
“Depois que os mares dividiram os continentes, quis ver terras diferentes, eu pensei: ‘vou procurar um mundo novo, lá depois do horizonte, levo a rede balançante, pra no sol me espreguiçar’. Eu atraquei num porto muito seguro, céu azul, paz e ar puro, botei as pernas pro ar. Logo sonhei que estava no paraíso, onde nem era preciso dormir para se sonhar. (…) Mas de repente me acordei com a surpresa: uma esquadra portuguesa veio na praia atracar. Da grande nau, um branco de barba escura, vestindo uma armadura, me apontou pra me pegar. Assustado, dei um pulo lá da rede, pressenti a fome, a sede, eu pensei: ‘vão me acabar!’. Me levantei de borduna já na mão, ai, senti no coração: o Brasil vai começar!”
A letra de “Chegança”, canção de Antonio Nóbrega e Wilson Freire (do disco Madeira que cupim não rói, de 1997), narrando a vinda dos povos originários ao Brasil e o choque com a invasão portuguesa em 1500, sintetiza a apresentação do artista pernambucano realizada na terça-feira (15), na abertura da nova edição do Programa “Hilda Hilst” do Artista Residente da Unicamp. A palestra reuniu cerca de cem pessoas no Auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), respeitando todas as medidas sanitárias, na semana em que a Universidade retomou as aulas presenciais.
Coordenado atualmente pelo Instituto de Estudos Avançados (IdEA), o Programa já recebeu cerca de 40 artistas residentes desde 1985, permitindo à comunidade acadêmica interagir com personalidades artísticas nacionais e internacionais. Entre março e setembro de 2022, marcando seus 70 anos de idade e 50 de carreira, o dançarino, ator, músico e poeta pernambucano apresentará uma série de atividades para a comunidade interna e externa à Unicamp.
“A falta de visibilidade e compreensão do mundo cultural popular tem sido para mim, desde longa data, motivo de inquietação. É uma frustração que esse hemisfério cultural tão rico de valores, significados e conteúdos, seja pouco percebido pelos brasileiros”, ponderou Nóbrega em sua palestra. Isso o levou a se aprofundar em estudos sobre a formação da cultura popular brasileira. O objetivo dos encontros, disse, é trazer parte desse conteúdo, que está se materializando no formato de um ensaio, para estimular o público. “Quem sabe isso fomente novas questões e novas atitudes.”
Na cerimônia de abertura, inaugurada com as falas do reitor da Unicamp, Antonio Meirelles, e do coordenador do IdEA, Christiano Lyra, Nóbrega se emocionou ao lembrar do papel da família em sua formação. Ele também rememorou sua passagem pela Universidade como professor, entre 1985 e 1991, quando colaborou com a fundação do Departamento de Artes Corporais no Instituto de Artes, a convite da professora Marília de Andrade, e onde lecionou danças brasileiras. Nóbrega retorna à Unicamp 37 anos após sua primeira vinda.