A geologia de Saturno e os desafios do estudo desse planeta, de seus satélites e de indicadores de existência de vida fora da Terra foram temas abordados por Rosaly Lopes, vice-diretora de Ciências Planetárias do Jet Propulsion Laboratory (JPL, na sigla em inglês) – um dos principais laboratórios de pesquisas da Nasa –, durante palestra no Centro de Convenções da Unicamp, na sexta-feira (10). A astrônoma, geóloga planetária, vulcanóloga e comunicadora científica Rosaly Lopes, em uma palestra no Centro de Convenções da Unicamp, na sexta-feira (10). O evento marcou a abertura das atividades da residência científica de Lopes no Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Universidade.
No encontro, as descobertas feitas pela missão espacial Cassini-Huygens, parceria entre as agências espaciais norte-americana (Nasa, na sigla em inglês) e europeia (ESA, na sigla em inglês), foram debatidas por Lopes. Atualmente, a pesquisadora está escrevendo um livro sobre o estudo de Titã, a maior das luas de Saturno. Na palestra, Lopes detalhou as características geológicas do planeta que a fascinam, como seu conjunto de anéis e os mais de 60 satélites naturais ao seu redor, dentre os quais Rhea, Pan e Encélado. Além do público de estudantes, pesquisadores e professores da Unicamp e de outras instituições interessados em astronomia e exploração espacial, o evento foi acompanhado por centenas de pessoas de várias partes do Brasil por meio de transmissão em tempo real.
Quando a nave interplanetária Cassini-Huygens foi lançada, em 1997 – após quase dez anos de planejamento –, medindo cerca de sete metros de altura e pesando seis toneladas, tornou-se a nave mais complexa a ser enviada ao espaço até então, contando com 12 instrumentos principais, além da sonda que pousou em Titã em janeiro de 2005. A missão, planejada inicialmente para durar quatro anos, foi tão bem-sucedida que foi estendida até doze anos depois, gerando imagens importantes para o estudo sobre esta região do Sistema Solar. “A câmera da Cassini foi espetacular, as fotos que temos de Saturno, dos anéis e das luas são realmente maravilhosas”, explica Lopes.
O tema da astrobiologia ocupa lugar central nas pesquisas sobre Titã, que é formada por uma espessa crosta de gelo, de cerca de 80 km, e tem um oceano de água em seu interior – há chance deste local já ter abrigado formas de vida. “Se Titã não estivesse na órbita de Saturno, seria um planeta”, explicou Lopes, comparando seu tamanho ao de Mercúrio, com mais de 5 mil quilômetros de diâmetro. “A atmosfera [de Titã], a segunda mais densa do Sistema Solar, é muito interessante. A primeira é Vênus, a segunda é Titã, e a terceira, a Terra.” Essa atmosfera é composta por nitrogênio e por uma pequena parte de metano, além de matéria orgânica, o que leva os cientistas a cogitarem a possibilidade de existência de vida nesse frio corpo celeste, cuja temperatura média superficial é de -180 ºC.
Segundo a cientista do JPL, o metano, que na Terra é um gás, pode ser encontrado nas formas líquida e sólida em Titã. O grau de incerteza sobre o pouso da Huygens era grande, mas a equipe teve sorte quando a sonda desceu em um terreno plano, em vez de em uma rocha pontiaguda ou um lago de metano. “A geologia de Titã é muito parecida com a da Terra, porque tem atmosfera, rios, lagos, erosão e chuvas de metano”, afirmou. Em 2020, Lopes publicou na revista Nature Astronomy o mapa geológico completo de Titã, e, a partir desse levantamento, foi possível fazer comparações com terrenos dessa lua de Saturno com os da Terra. Como vulcanóloga, Lopes teve um olhar especial para os sinais de vulcanismo em Titã a partir de modelos digitais feitos sobre a topografia deste orbe.
“Titã tem muita coisa interessante, mas tivemos que destruir a nave em 2017. Colocamo-na para fazer órbita entre Saturno e os anéis. Passou cada vez mais perto de Saturno até que a gravidade a trouxe para dentro do planeta, onde a pressão a esmagou completamente”, comentou Lopes, que justificou o chamado “mergulho da morte” pelo fato de a nave não ter sido descontaminada, podendo carregar micro-organismos da Terra. Encélado e Titã, assim como Europa e Ganimedes, duas das cerca de 80 luas de Júpiter, além de Tritão, maior satélite natural de Netuno, têm oceanos de água líquida sob uma crosta de gelo e sinais de vulcanismo, reunindo condições para uma possível bioassinatura, um indicador de existência de vida.
Atualmente, a pesquisadora lidera um projeto financiado pelo Instituto de Astrobiologia da Nasa, que estuda se há esses sinais de vida em Titã. Uma das questões centrais é entender como o material orgânico presente na superfície dessa lua, que seria importante para a vida se desenvolver, poderia ter contato com o oceano de água líquida de seu interior. Uma das hipóteses é que isso ocorreria por meio do rompimento da camada espessa de gelo pelo choque com um asteroide. Nesta área, o projeto conta com a colaboração do professor Alvaro Crósta, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, especialista em crateras de impacto. Lopes estima que, em 2029, deverá ser lançada uma nova nave, um drone levando diversos instrumentos científicos para estudar, entre outras coisas, a química na superfície de Titã – missão chamada de Dragonfly.
Semestre de atividades
A programação de seis meses de duração da cientista da Nasa no IdEA é composta por palestras presenciais, oficinas virtuais e reuniões com pesquisadores. “Pedimos, durante a estadia da Rosaly Lopes conosco, que ela fizesse o máximo para incentivar os jovens, em particular as meninas que gostariam de seguir a carreira de ciências, e ela tem feito isso de forma incansável”, elogiou Christiano Lyra, coordenador do IdEA, na abertura do evento.
Durante as duas semanas em que permaneceu na Unicamp, Lopes se encontrou com três grupos de pesquisadoras que incentivam o protagonismo feminino na ciência. No dia 30 de abril, teve reuniões com representantes dos projetos Meninas SuperCientistas e GeoMinas e assistiu a apresentações sobre as iniciativas que buscam atrair as estudantes para as áreas científicas. Já no dia 2 de maio, reuniu-se com pesquisadoras do conselho da Rede de Mulheres Acadêmicas da Unicamp para uma interessante troca de experiências.
“Gostei muito das conversas com as meninas cientistas, que estão realmente entrando nessa área que, no passado, era mais masculina. As barreiras agora são muito menores do que eram, mas é bom encontrá-las e mostrar que, mesmo sendo de uma geração anterior, pude superar muitas das barreiras, e elas podem também”, opinou Lopes, em entrevista ao Portal da Unicamp. Ela ainda participou, no dia 29, de uma aula do curso de Geologia Planetária do professor Alvaro Crósta, no IG. Crósta, que passou uma temporada no JPL e vem desenvolvendo pesquisas em conjunto com Lopes, fez a mediação das perguntas do público na palestra do dia.
A abertura da residência científica contou também com a presença do professor Fernando Coelho, pró-reitor de Extensão e Cultura (Proec) da Unicamp, representando o reitor, Antonio José Meirelles. “Adorei minha experiência na Unicamp e fiquei muito honrada nessa palestra de hoje, ao ver tanta gente, até estudantes de outros lugares do estado de São Paulo”, concluiu a cientista da Nasa.
No dia 28 de junho, Lopes oferecerá a segunda parte de sua primeira oficina, intitulada “Vulcões e luas geladas: a viagem de uma cientista do Brasil às Missões Galileu e Cassini da Nasa”. Uma segunda oficina, “Explorando os vulcões ativos da Terra e do Sistema Solar”, acontecerá nos dias 23 de agosto e 20 de setembro. No encerramento da programação no IdEA, ela voltará a Campinas para a palestra “Presente e futuro da exploração dos planetas: missões espaciais e seus desafios”, em 22 de novembro, às 14h, no Centro de Convenções. As inscrições para todas as atividades estão abertas no site do IdEA.